
Relato de Parto Lenina - Parto Humanizado no Hospital Frei Galvão
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Parto Humanizado Hospitalar no Hospital Frei Galvão em Guara - SP
Chegada de Raul
Equipe:
Doula: Mari Lopes
GO: Marianne Kramer
Obstetriz: Gisely Rezende - Abayomi
Pediatra: Victor Vieira
Fotografia e Vídeo: Juliana Rosa - Prosa e Fotografia
www.prosaefotografia.com
@prosaefotografia
"Parir foi, sem dúvida, a experiência mais louca e intensa da minha vida."
Vem ler o relato emocionante de Lenina sobre a chegada do seu Raul, no dia 18.07.2021.
"Parecia apenas mais um sábado em que eu e Gustavo íamos almoçar na minha mãe e depois dormir o resto da tarde para a noite ver um filme ou fazer vários nadas juntos. Acordei introspectiva e achava que era culpa das poucas horas de sono, almocei calada, fiquei totalmente na minha enquanto minha irmã e minha mãe se divertiam jogando ludo no quintal. Eu quis ir embora, não estava com raiva, mas não queria ouvir vozes e risadas, queria ficar num silêncio absoluto e relaxar. Sentia um pouco de incômodo nas costas, na altura da lombar, mas, com a barriga imensa já sentia tantas novas coisas que não estava considerando esse incômodo como algo relevante. Chegamos em casa e o incômodo persistia... Tínhamos um grupo no whatsapp com todas a equipe desde a 37° semana, afinal, a qualquer momento algo poderia acontecer, e eu ingênua, não percebia que esse momento estava tão próximo. Assim que avisei as meninas que sentia a cólica na lombar elas me orientaram: "descanse o máximo que puder, fique tranquila, vamos aguardar". Era dia 17/07/2021, me lembrei que o ultra-som sugeria a data provável de parto para o dia seguinte, 18/07, quando eu completaria 40 semanas, essa lembrança me animou, mas também me impediu de descansar totalmente. A cólica começou a vir com algum ritmo, eu sentia uma pontada bem leve, passavam alguns minutos e ela vinha de novo. Lembrei da noite anterior mal dormida e fui para a cama, eu sabia que no mínimo eu precisaria estar descansada caso a coisa toda começasse a acontecer. Eu, ingênua, não entendi que na verdade já estava acontecendo rs. Deitei para um cochilo as 18:00 e acordei às 22:00 com uma pontada de cólica um pouco mais intensa, mas ainda nível 2 numa escala até 10. Abri os olhos e já mandei outra mensagem no grupo, dessa vez já havia cronometrado que a dor vinha de 4 em 4 minutos. Pronto! Era tudo que uma grávida ansiosa precisava para não conseguir mais desligar... Fiquei das 22 até às 4 horas da manhã cronometrando as contrações e tentando perceber como eram as sensações para avisar a equipe, eu não queria perder nenhum detalhe.
Era quase 5 da manhã quando a Mari (doula) chegou com a fotógrafa. Quando vi as menina entrando em minha casa a fica caiu "Raul está chegando". Mari me orientou a entrar no banho e relaxar, deixar a água quente cair em meu corpo. Playlist ligada, meia luz, óleos essenciais. Eu sabia, na teoria, qual era o papel dela na equipe, mas na prática é que realmente percebemos a diferença que faz ter uma doula para te acompanhar durante o parto. A água quente fez com que as dores ficassem com intervalo mais curto e um pouco mais de intensidade, tudo ainda muuuuuito longe do insuportável, eu até pensava que se aquela fosse a dor da contração, eu iria aguentar fácil fácil parir meu filho. Depois de quase uma hora de banho percebo que a Gisely havia chegado também, a enfermeira obstétrica. Perceber a equipe quase completa em casa me animava, eu sabia que quando estivessem todas comigo seria o dia da chegada de meu filho. Permiti um exame de toque, 3cm de dilatação, colo amolecido, trabalho de parto na fase latente. Entendi o pq o toque recorrente é considerado uma violência obstétrica, eu estava com as cólicas, mesmo que leves, desde as 22hrs do dia seguinte, já era dia, quase 7 da manhã, como assim só 3 cm? Fiquei frustrada. As cólicas seguiam, vinham como ondas mesmo, a dor se aproximava, eu vocalizava, fazia sons animalescos para relaxar minha pelve, rebolava, mexia o quadril, fazia os movimentos que instintivamente meu corpo pedia. Gustavo descansava no quarto e eu conversava com as meninas na sala, estava inquieta, não conseguia relaxar. Com 34 semanas eu e Gustavo decidimos mudar de apartamento, tínhamos caixas ainda pela casa, coisas fora do lugar. Pela manhã, depois de comer ovos mexidos por orientação das meninas, eu ficava sugerindo que elas se acomodassem enquanto esperávamos meu corpo trabalhar. Vendo que eu estava inquieta, Gisely e Mari decidiram sair para almoçar, me sugeriram que ficasse deitada, colada no Gustavo, que tentasse dormir, que descansasse, meu corpo precisaria de ocitocina e descanso devido para mais tarde. Deitei era quase 11:00, acordei às 14:00 novamente com o aumento da intensidade das cólicas.
Mandei uma mensagem e em minutos as meninas estavam em casa. Chegaram e eu já solicitei que a Gi me examinasse, eu sentia as cólicas cada vez mais próximas. 6cm, ufa! Me sentia muito animada em perceber que meu corpo estava trabalhando. Eu me movia, me hidratava, fazia o que sabia que precisava para que tudo acontecesse. Nosso corpo é perfeito, uma máquina incrível e eu sabia que eu estava no comando e segura com a equipe maravilhosa que escolhi. A dor começou a mudar, antes era uma cólica na lombar, agora a dor irradiava pelas laterais da barriga, que ficava dura. Nos divertiamos com a playlist enquanto eu fazia agachamentos na sala, recebendo as massagens da Mari, já era quase 17:30 e eu sentia que meu corpo estava todo se mobilizando para a vinda de meu filho, sentia meu quadril mais solto, o cóccix dolorido. Em nenhum momento eu sentia medo, pelo contrário, eu estava aproveitando cada minuto de tudo aquilo que estava acontecendo, as dores começaram a se intensificar agora doendo 6/10, mas eram elas que me aproximavam do momento em que eu iria olhar o rosto do Raul pela primeira vez, então eu a acolhia. Não existia sofrimento, eu brincava, ria, fazia graça entre os intervalos. A dor é relativa e cada pessoa atribui a ela um significado, naquele dia a minha dor significava que eu estava me tornando mãe e logo em breve iria abraçar meu bebê.
Como eu disse, as contrações vem como ondas, e nelas eu decidi surfar. A cada vez que uma delas vinha, eu fechava os olhos, me desligava do lugar onde estava, esquecia que estava na sala de casa, fazia meus movimentos e esperava ela ir embora. Não demorava e ela ia. Tudo passa, eu aprendi. Eu sabia que não demoraria a outra onda chegar, mas eu não lamentava, eu havia estudado a gestação toda, planejado e buscado a melhor equipe que eu pudesse contratar, as dores eram parte do pacote e eu já havia clicado no "estou ciente e quero continuar". Quase 18:00 escuto a Mari falando para a Gisely enquanto me massageava: "ela mudou, acho que é hora de ir". Como disse, escolhi uma equipe competente, então de tempo em tempo o coração de Raul era auscutado para saber se estava tudo bem. Gi perguntou se tudo bem me examinar, eu consenti. 8 cm, hora de irmos ao hospital. Fomos eu, Gustavo e Mari no carro, ruma a Guará. Eu nunca tinha visto a Dutra tão vazia, eu no banco de trás, a cada contração que vinha eu me virava de quatro apoios e esperava ela ir embora. Chegando no hospital, depois de todos os trâmites burocráticos finalmente fomos levados até nosso quarto. Tudo que eu queria era tirar logo toda a roupa do corpo e ficar a vontade, atendendo as demandas do meu corpo. Na suite fiquei mais uma hora no chuveiro. Aagora as dores já estavam 7/10, eu sentia a minha barriga muito endurecida e a dor já não era mais na lombar, era direto no útero, no baixo ventre. Quarto a meia luz, a ginecologista também já havia chegado, eu quase não podia acreditar que meu filho estava chegando também, mas antes que eu pudesse fantasiar seu rostinho, mais uma contração vinha e eu me preparava e focava em ajudá-lo a vir ao mundo.
21:00 e as contrações agora vinham de minuto em minuto. Eu tomava água toda hora, pois, como vocalizava muito estava com a boca toda ressequida. Após ter a bolsa rompida o trabalho de parto avançou consideravelmente, eu não tinha posição. Eu estava muito inquieta, de nenhum jeito me sentia confortável e logo buscava uma posição nova. Mari trouxe o rebozo (um pedaço de tecido) e ficávamos puxando, cada uma em uma ponta. Dali em diante eu não lembro de conseguir ter noção de tempo, eu não sabia que hora era, eu só sabia que o tempo estava passando por conta de perceber músicas acabando e outras começando. Eu estava a quase 24 horas acordada e começando a ficar no meu limite de cansaço. Solicitei mais um exame de toque, estava com dilatação total, agora Raul já tinha passagem para vir ao mundo. Me empolguei até começar a sentir os puxos. As dores da fase final do trabalho de parto são bem diferentes das dores de dilatação. As contrações duram mais tempo e o intervalo é menor. Curiosamente eu sentia minha barriga fazendo força sozinha, era como se eu não precisasse fazer muita força pq meu útero naturalmente se contraia. Eu ajudava, a cada dor eu empurrava, fazia força, agachava. Eu fazia força e não sentia nada, estava cansada e não conseguia direcionar a força, fazia força na garganta. Me lembrei das idas até a fisioterapeuta e tudo que eu sabia que tinha que fazer, me dediquei verdadeiramente em tudo que envolvia a vinda de Raul. Apesar de saber o que eu precisava fazer, eu já não conseguia. Comecei a sentir meu corpo beirando a exaustão, foi quando me queixei chorando e me deram uma paçoca para ter um pico de energia. O parto nos leva a lugares inusitados da nossa esfera mental. Quando a médica me ofereceu a paçoca eu só sentia raiva. Estava com dor, me sentindo incompetente por não conseguir fazer a força certa e ela me sugere uma paçoca? Eu senti muita raiva, mas respirei e comi o doce de amendoim na esperança que o pico de energia realmente viesse e eu conseguisse ajudar Raul.Pois é, eu realmente não conseguia perceber a diferença após ter comido a paçoca. A única diferença é que agora eu sentia raiva. Meu pensamento começava a ironizar tudo que a médica dizia sobre comer um chocolate e sentir mais disposição. Eu andava inquieta pelo quarto, fazia força e não percebia avanço. Após mais uma examinada, Gisely me conta que Raul estava encaixado, e que se eu me tocasse iria conseguir senti-lo. Lembrei dos vários vídeos que assistia e já imaginei ele coroando, mas quando me toquei precisei introduzir quase um dedo inteiro para sentir seu cabelinho. Me frustrei mais uma vez. Na mesma hora fui até o banheiro e me encarei no espelho, na minha cabeça eu falava para mim mesma "seu primeiro impasse com a maternidade é esse, você não está conseguindo parir seu filho, se nem parir ele você consegue, você será uma péssima mãe, não vai dar conta de nada". Eu não podia deixar esses pensamentos tomarem conta da minha mente. Sai do banheiro e voltei chorando para o quarto, agora com medo de ter uma crise de ansiedade por conta dos pensamentos ruins que estavam me assombrando. Foi nesse momento, depois de reclamar mais uma vez de cansaço e de devorar (também com raiva) um sachê de mel, que eu tentei desistir. Olhei séria para cada uma das mulheres da equipe e pedi que parassemos ali. Em momento nenhum eu cheguei a pedir uma cesárea, mas disse que estava no meu limite, que não aguentava mais e queria saber o que elas fariam. Palavras de encorajamento me foram direcionadas, elas me diziam que eu estava conseguindo, que já estavamos no expulsivo, que Raul estava chegando, me lembravam que eu sabia que esse momento de medo e desistência chegaria, e que elas estariam ao meu lado, alinhadas com tudo aquilo que já havíamos conversado sobre o que era importante para mim. Mas eu só sentia raiva e me lembrava de todas as vezes em que eu não pude desistir. Eu queria ser acolhida e cuidada naquele instante, que minha mãe aparecesse e resolvesse tudo para mim, queria poder descansar e sinalizar meu limite, eu queria ter a chance de me sentir no direito de ser "fraca" uma vez na vida.
Gustavo esteve ao meu lado o tempo todo, me alimentando, hidratando, acolhendo, massageando. Ele estava firme e forte até me ver pedir para desistir. Eu podia ver a angustia em seus olhos. Ter um parto respeitoso envolve muitas coisas, principalmente o respeito às nossas decisões. Em meu plano de parto eu havia decidido que não queria nenhuma intervenção medicamentosa, sem analgesia ou ocitocina sintética (medicação para "ajudar a dilatar") pois eu sabia de todos os benefícios dessa decisão. Ele esteva ao meu lado quanto tomei todas as decisões sobre o parto, então ele sabia e acreditava no parto que planejamos. Se sentiu angustiado quando me viu pedir para desistir mas se manteve firme, alinhado com nosso propósito no que era o melhor para mim e para o nosso Raul. Eu chorei, fui abraçada e acolhida por aquela matilha de mulheres lobas, que me olharam e me falaram tudo que eu precisava ouvir. Eu respirei, pedi mais um exame de toque, Gisely me examinou e disse que o Raul estava a centímetros de coroar, me disse que eu estava indo bem e que o meu desejo ia se concretizar, eu teria meu parto natural. Eu estava cansada mas essas palavras me reestabeleceram, ela me sugeriu eu me tocar e perceber o quanto eu já havia conseguido, e foi o que eu fiz. Meu filho estava a um dedo de começar a coroar, eu realmente estava conseguindo. Gisely me trouxe para a realidade, Raul já estava encaixado, a caminho, não existia mais plano b, ele estava nascendo e elas não poderiam mais atender a qualquer devaneio, desistir não era uma opção... a essa altura era inviável tentar uma cesária, não tinha como mais puxar Raul de volta, ele estava a pouco de vir para os meus braços.
Parir foi, sem dúvida, a experiência mais louca e intensa da minha vida. Digo isso considerando a experiência feminina em si, de me conectar com meu corpo, perceber seus sinais, sentir ele funcionando perfeitamente. O corpo que eu odiei a maior parte da minha vida era meu aliado naquele momento, além de casa para meu filho. Acontece que o parto não acontece apenas no corpo, ele acontece também no nosso emocional, nos conectando com nossas sombras, fazendo com que a olhemos com olhos crus e honestos. Na fase final do expulsivo eu me lembrei que desistir na verdade nunca é uma opção quando vc acredita e deseja intimamente. Meu sonho sempre foi trazer meu filho dentro daquela realidade que eu vivenciava naquele momento. Os puxos não paravam, a intensidade da dor agora era 10/10, e eu arrisco dizer que NÃO foi a pior dor da minha vida. Viver dói muito mais do que parir. Sofrimento e dor não são a mesma coisa. Assim que me reconectei com minha força a dor doía forte mas eu estava tão forte quanto ela. Eu sentia a potência se alastrando pelo meu corpo, estava sentada na banqueta, Gustavo me abraçando por trás, eu segurava firme nas mãos da Mari e puxava com a maior força que já fiz na minha vida toda. Eu senti a ardência do círculo de fogo começar, já tinha lido tantas vezes sobre ele em relatos... A partir dele eu sou incapaz de descrever o que aconteceu ao meu redor, eu tinha virado no avesso. Eu só lembro do que ocorria dentro de mim. Mais um puxo e o círculo de fogo se fez tão intenso que apenas a voz do Gustavo me trouxe novamente para a realidade: "Eu estou vendo ele, o Raul está nascendo amor, você conseguiu! Filho eu estou te vendo". Gisely me lembrou de respirar fundo para oxigenar Raul e para recuperar as forças, e, antes que eu pudesse reagir veio mais uma onda e nela eu me joguei. Gritei alto, quase que num grito de libertação, fiz toda a força que meu corpo foi capaz de mobilizar e senti minhas águas internas aliviando o círculo sagrado do fogo. Raul saiu a jato, sendo resgatado pelos braços de Gisely e trazido em seguida para meu colo. Eu havia conseguido! Nós estávamos juntos finalmente 🤍🐻
"Feliz aniversário filho, eu sou a sua mãe" essas foram as primeiras palavras que eu disse para Raul enquanto ele olhava para todos os lados antes de chorar. Eu o abracei com todo o amor que eu podia colocar num abraço, aproximei meu rosto do dele querendo sentir sua respiração, sentir ele existindo fora de mim. Eu respirava fundo enquanto nossas peles se encostavam, eu estava com meu filho nos braços, eu não conseguia acreditar. Assim que ele sentiu meu cheiro, se aqueceu em minha pele e se acalmou, comecei a olhar cada pedacinho de seu corpo, sem tocar, apenas contemplando a perfeição que meu corpo foi capaz de gerar. Meu corpo casa se recuperava, o útero sangrava se auto-limpando enquanto eu paquerava meu ursinho. Gustavo e eu choramos abraçados admirando nosso neném. Raul era lindo e esperto, muito além do que eu pudesse imaginar. Após Gustavo nos separar cortando o cordão umbilical assim que parou de pulsar, Raul foi até o pediatra neonatal para que fosse avaliado, enquanto isso as meninas cuidavam de mim. Cerca de 20 minutos depois de parir Raul eu pari minha placenta, intacta, imensa, perfeita. As mulheres na sala estavam todas reluzentes, felizes, sorridentes. É incrível quando percebemos a unidade feminina que existe entre bruxas. O quarto estava transbordando ocitocina. Mari pegou minha placenta e, respeitosamente, fez uma arte com tinta, eternizando os contornos da primeira morada de Raul. Na primeira hora de vida, depois de ser examinado, Raul foi trazido até meu peito e mamou, fortalecendo nosso vínculo e recebendo o que é dele de direito. Risadas, carinho, afeto e respeito compunham o clima naquele quarto na maternidade. A equipe cuidou de mim, de Raul, nos orientaram e foram embora, dando espaço para que eu e Gustavo curtissemos juntos o nosso bebê! 🤍"
Equipe 🌱✨
Doula Mariana @marianalopesdoula
Enfermeira Gisely @abayomipd
Ginecologista @mariannepsk
Fotógrafa Juliana Rosa @prosaefotografia


















